Seja na Ciência, ou seja na Arte, o que, felizmente, nós não sentimos acontecer na área da Arquitectura:
Uma área pluridisciplinar em que - é forçoso (ser assim) - se é treinado para a criatividade.
Se temos chamado Frei Tomás a Vítor Serrão, hoje preferimos fazer outras analogias, concretamente com histórias infantis:
Primeiro porque queremos acabar este post com um texto de G. K. Chesterton sobre São Tomás de Aquino e o seu aristotelismo.
Depois, porque na verdade é como se fora um conto infantil, esta história de pôr a "raposinha-pilha-galinhas", a tomar conta da capoeira.
Essa guarda ficará pouco bem entregue, parece-nos (?), mas é uma ideia nossa... e quem somos nós?
Sinceramente, nunca pensei (desde 2002-2005-2008) que um dia iria ter coragem para isto que agora estou a fazer.
É que há stress, há o coração acelerado, mas enfim, vem depois uma certa acalmia, a sensação de ter feito o correcto e aquilo que devia. Bom mesmo seria não ter que fazer nada, e poder estar grata. Inclusive e sobretudo grata a Vítor Serrão (como está nos agradecimentos do trabalho publicado); mas o sentimento é, tem que ser, muito ambíguo. E nesta data, ou neste instante, há que não desistir.
Não se trata de vingança, de todo, embora obrigue a ter, e a gastar, uma grande dose de energia. Obriga-nos a conseguir ultrapassar uma qualquer coisa que é difícil de definir: talvez semelhante à timidez? Enfim, é o tomar a palavra, é o conseguir exprimir a imensa incorrecção (alheia), e é principalmente o não ficar calada.
Quanto ao que parece "um lavar de roupa suja" - veja-se que a terminologia não é nossa, nem fomos nós que varremos para baixo do tapete. Embora continuemos a questionar, como é possível, que alguém que tem um CV invejável, supostamente (*2), não ter pensado que barrar/impedir uma investigação - cujos sinais exploratórios já eram então demasiado promissores e óbvios; como é possível esse alguém não ter pensado, previamente, que um dia, no futuro, lhe iria assentar demasiado mal todo esse comportamento?
Tudo o que eles «barraram» - Vitor Serrão, Fernando António Baptista Pereira, e Maria João Baptista Neto (*3) - depois de 2005, e apesar das nossas imensas dificuldades para conseguir escrever - na verdade, tudo isso não pára de se confirmar. Já que também, pela nossa parte, conseguimos não parar de investigar.
Consequentemente, continuámos sempre a consolidar, e a ampliar as nossas ideias iniciais.
Se há muito tempo que passámos a ter certezas, o que vamos continuar a fazer - dentro das nossas possibilidades - é a falar de uma Nova História da Arte. Como aliás já ficou esboçado no título do estudo dedicado a Monserrate.
Uma História da Arte, em que os estilos - começando no Românico, Gótico e muitos dos detalhes mais característicos do estilo Barroco - nasceram em Ideogramas criados na Antiguidade Tardia (cristã) e na Idade Média.
E sobre estes ideogramas, a que vários autores chamam simplesmente Diagramas, um dos textos mais explícitos que conheço - depois dos de Patrice Sicard (a que a bibliografia que Maria João Neto me proporcionou, deu acesso directo...) - é o seguinte. Sem dúvida um texto bastante difícil, mas também interessantíssimo, e a merecer ser lido e relido com toda a atenção, para melhor o entendermos. Vem de G. K. Chesterton e do seu S. Tomás de Aquino, cuja capa está acima (ver pp. 88- 90, Aletheia Editores, Lisboa Setembro de 2012).
Antes de lerem o excerto que se escolheu, lembramos que Gilbert Keith Chesterton viveu entre 1874-1936. Portanto algumas passagens poderão parecer algo estranhas. Embora outras - como são as referências aos diagramas abstractos, e estes em contraposição à verdade intensa que perpassa de muitas imagens do cristianismo - i. e., de imagens não abstractas, e portanto muitas vezes dolorosas, porque são narrativas da Incarnação e da vida de Cristo. Claro que essas outras passagens, nos dizem muito, estando exactamente neste ponto (concretamente no diálogo entre imagens abstractas e imagens naturalistas), aquilo que contestamos, no comportamento de Vítor Serrão (*4):
Ou seja, no facto de não ter aceite que se prosseguisse uma investigação relativa às Origens do Gótico, e a tudo o que nesse estilo - como nos outros -, provém de geometrismos que, desde há séculos, eram significantes:
À semelhança de uma língua: não alfabética, mas ideogramática.
Mas passemos agora ao que G.K. Chesterton explica, e à vontade que S. Tomás terá tido, de tornar a Arte mais naturalista, retirando-lhe os elementos platónicos, de origem gráfica, ou caligráfica (*5):
"O que tornou a revolução aristotélica profundamente revolucionária foi o facto de ser religiosa. É ponto tão fundamental, que julguei conveniente apresentá-lo nas primeiras páginas deste livro: que a revolta foi em grande parte uma revolta dos elementos mais cristãos da cristandade. São Tomás, exactamente como São Francisco, sentiu no subconsciente que a massa da sua gente ia deixando a sólida doutrina e disciplina católica, gasta lentamente por mais de mil anos de rotina, e que a fé precisava de ser apresentada a uma nova luz e encarada por um ângulo diferente. Não tinha outro motivo senão o de desejar torná-la popular para a salvação do povo. Dum modo geral, é verdade que durante algum tempo ela fora demasiado platónica para ser popular. Precisava de algo como o toque sagaz e familiar de Aristóteles, para a transformar de novo em religião de senso comum. Quer o motivo, quer o método se manifestam na controvérsia de Tomás de Aquino com os agostinianos.
Primeiro devemos recordar que a influência grega continuou a fazer-se sentir, desde o império grego, ou, pelo menos, desde o centro do império romano que estava na cidade grega de Bizâncio e já não em Roma. Essa influência era bizantina em todos os sentidos, no bom e no mau. Como a arte bizantina, era severa, matemática e um pouco terrível; como a etiqueta bizantina, era oriental e levemente decadente. Devemos ao saber do Sr. Christopher Dawson muita luz sobre o modo como Bizâncio lentamente se cristalizou numa espécie de teocracia asiática, mais semelhante à do sagrado imperador na China. Mas até as pessoas incultas podem ver a diferença no modo como o cristianismo oriental simplificava tudo, do mesmo modo que reduzia as imagens a ícones que melhor se poderiam chamar figurinos do que verdadeiros quadros com variedade e arte; e isso fez uma guerra decidida e destrutiva às estátuas.
Assim vemos esta coisa estranha, que o Oriente era a terra da cruz e o Ocidente a terra do crucifixo. Os gregos estavam a ser desumanizados por um símbolo radiante, ao passo que os godos iam sendo humanizados por um instrumento de tortura. Só o Ocidente fez quadros realistas da maior de todas as histórias originárias do Oriente.
Eis porque o elemento grego na teologia cristã tendeu cada vez mais para se converter numa espécie de platonismo seco, uma coisa de diagramas e de abstracções, todas elas muitíssimo nobres, sem dúvida, mas que não eram suficientemente tocadas por essa coisa imensa que, por definição, é quase o contrário das abstracções: a Incarnação. O seu Logos era o Verbo, mas não o Verbo feito carne. Por vias muito subtis, muitas vezes escapando à definição doutrinal, este espírito espalhou-se pelo mundo da cristandade, a partir do lugar onde o sagrado imperador se sentava debaixo de mosaicos dourados; e a civilização do império romano nivelou-se numa degradação moral, que preparou uma espécie de caminho suave para Maomé. Porque o islão foi a realização final dos iconoclastas. Todavia, muito antes disso, já havia esta tendência para tornar a cruz meramente decorativa como o crescente, transformá-la num símbolo como a chave grega ou a roda de Buda. Mas há algo de passivo num tal mundo de símbolos; a chave grega não abre porta nenhuma, enquanto a roda de Buda gira sempre e nunca avança.
Em parte devido a estas influências negativas, em parte devido a um ascetismo necessário e nobre, que buscava rivalizar com o padrão tremendo dos mártires, as primitivas idades cristãs haviam sido excessivamente anticorpóreas e demasiado próximas da linha perigosa do misticismo maniqueu. Havia, porém, muito menos perigo em os santos macerarem o corpo do que em os sábios o desprezarem. Admitida toda a grandeza da contribuição de Agostinho para o cristianismo, havia, de certo modo, perigo mais subtil no Agostinho platónico do que no Agostinho maniqueu. Dela proveio uma mentalidade que, inconscientemente, levou à heresia de dividir a substância da Trindade. Pensava que Deus era, de modo demasiado exclusivo, um Espírito que purifica ou um Salvador que redime, e muito pouco um Criador que cria. Eis porque homens como Tomás de Aquino entendiam dever corrigir Platão pelo recurso a Aristóteles, ele que considerou as coisas como as encontrou, exactamente como Tomás de Aquino as aceitou conforme Deus as fez. Em toda a obra de São Tomás, o mundo de criação positiva está perpetuamente presente. Humanamente falando, foi ele quem salvou o elemento humano na teologia cristã, embora utilizasse, por conveniência, certos elementos da filosofia pagã. Mas, como já se disse, o elemento humano é também cristão.
O pânico pelo perigo aristotélico, que passara pelos elevados postos da Igreja, foi provavelmente um vento seco do deserto. Na realidade, vinha mais carregado do medo de Maomé do que de Aristóteles, o que não deixa de ter a sua ironia, porque na verdade há muito mais dificuldade em reconciliar Aristóteles com Maomé do que em reconciliá-lo com Cristo.
Enfim, para nós, e estamos a insistir, a arte, principalmente a arquitectura medieval, e os chamados estilos históricos, nasceram dessa "... coisa de diagramas e de abstracções..." platónicas, que Vítor Serrão insiste em continuar a não ver. Em afastar, em barrar e em dificultar a investigação... Porquê?
Quando todos nós sabemos que as ideias, e o material científico, é, tantas vezes, de uma imensa fragilidade.
Porquê? Quando tudo o que se encontrou foi por mero acaso...?
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(*1) É o titulo mais apropriado para responder de forma clara e abrangente. E se acima partilhamos o post de Vítor Serrão é para que se veja que não desistimos
(*2) Porque o é, e talvez muito?, ainda por cima alicerçado no imenso trabalho já desenvolvido pelo seu pai - Veríssimo Serrão. O que nada tem de errado, lembrando-nos por exemplo Oleg Grabar, que deu continuidade a uma certa «linha de investigação» que já vinha do seu pai - André Grabar.
(*3) Embora continue a achar que a orientadora dos nossos estudos - Maria João Baptista Neto (a quem devo o desenvolvimento e o imenso interesse que lhes conferiu, logo no começo, em Nov. de 2001) - também ela, talvez?, continuamos nós a achar, terá sido igualmente vítima... Mas se sim ou não (?), em definitivo, não sei. O que sei, é que com outras ajudas (concretamente do SPGL) outras lutas, que nos pareciam bem mais difíceis do que esta, em boa parte, já se resolveram.
(*4) É verdade que Vítor Serrão, no contacto próximo é sempre extremamente correcto e se desfaz em atenções simpáticas, como é absolutamente normal. No entanto deixa de ser normal, sobretudo na posição institucional que ocupa, um permanente medir de forças, ou o estar em comparações típicas de quem precisa de se afirmar. Não querendo fazer o seu retrato psicológico - o que fica para um biógrafo (!?) -, mais uma vez considerando o seu CV, que «construiu a pulso», custa-nos a crer, mas parece ser real: que a qualidade dos trabalhos que podem sair do Instituto de História da Arte da Fac. Letras da Universidade de Lisboa, tenham que ser marcados pela afirmação pessoal de uma personalidade, que, afectiva e invariavelmente actua como um hiper-carente?
(*5) Esta espécie de discussão - ou jogo de ténis como já uma vez lemos algures - entre (adeptos de) platonismo e aristotelismo é bem interessante, obrigando a esta nota que é afinal mais uma reflexão. Porque, não temos dúvidas que as «abreviaturas da fé», a que muitos chamam símbolos, eram formas de uma escrita rápida, para esquematizar ideias. Como muito bem explica Rudolph Arnheim em Visual Thinking e de que já escrevemos algumas vezes ( como este é um desses exemplos)
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