... não gostamos de usar a palavra SÍMBOLO
Já o escrevemos várias vezes, preferindo em geral - para os sinais visuais a que a maioria chama SÍMBOLO – dizer antes IDEOGRAMAS.
Embora, na verdade, alguns desses, talvez mais trabalhados e complexos se possam (ou devam até ?) chamar DIAGRAMAS [1]
Vem isto a propósito de um texto que lemos aqui, e que nos fez reagir desta maneira (a tentar esclarecer):
“Cecília Melo E Castro e Jorge Couto não têm que conhecer os meus estudos sobre Monserrate, e aquilo a que cheguei ao fazê-los... Porém foram altamente enriquecedores, a ponto de me atrever a dizer que um certo extracto é uma chachada". É forte, muito forte, eu sei! Mas, a energia, que não é eléctrica, mas sim cultural ou mental, está na cabeça de cada um dos que lê – quando, e se sabe ler...? - certos sinais [2].
E não lhes chamo símbolos, ou símbolos visuais, porque na cultura ocidental em que estamos, de raiz cristã, a maioria dos sinais (visuais) - a que quase todos chamam símbolos (e tb eu quando é mesmo preciso, para me fazer entender, na confusão vigente) - nesta nossa cultura, a maioria dos referidos sinais, são referentes a dogmas do cristianismo (i. e., são imagens mas podiam ser palavras). Com o objectivo de que esses vários sinais, todos reunidos (pois são imensos, e por isso se fala tantas vezes em polissemia que é de origem medieval... ou ainda da Antiguidade Tardia), constituíssem o (ou os) símbolos da fé.
Sendo que o primeiro foi, é conhecido como, Símbolo dos Apóstolos. Este teve posteriormente versões diferentes, por exemplo na Pens. Ibérica, onde foi muitíssimo discutido (por mais estranho que pareça...), e a versão que se consolidou, com o impulso de Carlos Magno é o actualmente designado Símbolo de Niceia-Constantinopla.
As minhas desculpas pelo vosso sobressalto, que provoquei, mas quando se percebe tudo isto, sem as percas de sentido que o tempo infligiu, quer a Arte, quer a História ficam muitíssimo mais ricas e interessantes.Uma boa parte disto que escrevi está no meu livro sobre Monserrate. “
Acontece que temos a noção (apesar daquilo que já ficou no nosso estudo dedicado a Monserrate [3] ), que à medida que o tempo passa - e embora não estejamos acompanhados ou inseridos num qualquer grupo, ou num centro de estudos e de investigação; sim, temos a noção de que as nossas ideias vão evoluindo com o tempo. E vão evoluindo, em nossa opinião, thanks God, para melhor.
Como quem faz um projecto, e sucessivamente vai burilando, e podendo fazer acertos, até que a obra final tenha atingido um mais alto nível de qualidade (de acordo com o nível de exigência do autor, que somos nós - nada perfeitos!).
É verdade que o texto que comentámos – “O extremo poder dos símbolos reside em que eles, além de concentrarem maior energia que o espectáculo difuso do acontecimento real...”, incluindo a ideia de haver “energia nos símbolos”, é completamente datado. E de um tempo em que o Simbolismo era ainda considerado essencial à Arte.
Como se para haver Obra de Arte tivesse que haver Simbolismo! Qual ingrediente (ou ideia) que para alguns, parece, seria completamente indispensavel. Em suma, uma noção que o excerto seguinte mostra bem [4]:
"DESTINS DU SYMBOLISME
«Un tableau doit raconter quelque chose, donner à penser au spectateur comme une poésie et lui laisser une impression comme un morceau de musique », disait Böcklin. De tels propos auraient été contresignés sans hésitation par tous les peintres symbolistes, d'abord parce qu'ils s'accordent avec le principe des «correspondances» et ensuite parce qu'ils participent de ce profond désir du Symbolisme de parvenir à une harmonie entre tous les arts, comme le souhaitait William Morris, ou même de réaliser 1'oeuvre d'art totale (Gesammtkunstwerk) dons rêvait Richard Wagner. Mais cette attitude s'oppose fondamentalement à celle des artistes ou des esthéticiens qui plaident au contraire la thèse opposée, à savoir que chaque art doit cultiver sa spécificité, c'est-à-dire ce qui le distingue radicalement des autres formes d'expression (c'est par quoi Paul Cézanne est sans doute le seul artiste de son temps qui échappe totalement aux séductions symbolistes). A la limite, on se trouve en présence de deux positions absolument inconciliables, l'une, celle des Symbolistes et après eux des Surréalistes, qui revendique toujours plus de sens, tandis que l'autre irait jusqu'à nier tout autre sens à la peinture que celui d'être «une surface plane recouverte de couleurs en un certain ordre assemblées», selon la fameuse définition de Maurice Denis.
Claro que o assunto é, mesmo, mesmo, muito interessante; e é imenso (extenso, com meandros a que nem sequer chegamos ...).
Depois, estamos a abordá-lo num tempo em que qualquer imagem é Arte, sobretudo por decisão única e exclusiva do seu autor: i. e., sem esperar, ou sequer dar tempo, a que a crítica a valorize como tal!
Mas enfim, todos reconhecerão que o texto inicial (que estamos a comentar) não deixa de ser datado, a ponto deste tema estar, actualmente, bastante esquecido.
Resta-nos acrescentar duas informações:
A primeira vem ainda do livro de José Pierre, e de um comentário do editor, explicando algo mais sobre o movimento simbolista:
« … c’est autour de 1890, que va naître une formule révolutionnaire, principalement due à Gauguin et qui par l’emploi de l’arabesque et des aplats de couleur, va permettre à la peinture de se mettre au service de la pensée, et non pas comme le fait l’Impressionnisme au seul service de la rétine.» [5]
A segunda informação refere-se ainda à dita “energia dos símbolos”, considerada maior (ou superior?) “que o espectáculo difuso do acontecimento real...”.
É que aqui queremos notar, o imenso contributo de alguns autores – com destaque para Umberto Eco - quando evidenciou que qualquer obra só se completa na mente de quem a vê/lê:
Ou seja, de quem a percebe, de quem a admira.
São esses, os que lhe dão mais valor, e vão mais longe na respectiva exegese
Capa do livro - Le Symbolisme, por José Pierre, fernand hazan éditeur, Paris 1976
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[1] O ano passado, mais ou menos por esta data estávamos a querer apresentar um Paper num Congresso que foi dedicado a Diagramas: The Medieval Diagram as subject. Percebeu-se mais tarde que os artigos que foram seleccionados eram todos de autores (muito mais avançados do que a historiografia da arte em Portugal) que já tinham algum livro publicado exactamente sobre Diagramas
[2] Continuem a ler e vejam mais adiante a questão das correspondências em torno do Simbolismo e dos símbolos
[3] Monserrate uma Nova História, Livros Horizonte Lisboa 2008. Escrito entre 2001 e Set. de 2004, e defendido como tese de mestrado. Intitulada: A propósito do Palácio de Monserrate em Sintra – obra inglesa do século XIX – perspectivas sobre a Historiografia da Arquitectura Gótica.
[4] Ver em Le Symbolisme, por José Pierre, fernand hazan éditeur, Paris 1976. Podem ver também este PPT {https://www.slideserve.com/liam/le-symbolisme-ses-correspondances} onde se destaca a necessidade de correspondências entre as imagens e as ideias que essas imagens representavam. Mas enfim, sabemos da existência de um (ou vários) Dicionários dos Símbolos. Os que nos levam a perguntar: quem conhece integralmente o que contêm? Por exemplo a entrada "Concha", quem a lê vai até ao fim? E depois de ler não faz associações? Não reduz ou aumenta aquilo que leu? Não faz a sua (própria) exegese? E nesse processo, transposto para casos concretos de obras que está a ver, não está a participar das obras? Sabemos bem que nas correspondências entre imagens e respectivos significados - e falando agora na energia dessas imagens (a que chamam símbolos) - claro que um sinal de trânsito é muito mais «energético» (se isto se pode dizer?) que uma concha numa pintura?! Sim, felizmente um sinal de trânsito obriga a agir, e em geral com muito mais energia, do que a especulação intelectual da descoberta de sentidos...
[5] Ler na badana da capa, e também no texto, mais adiante (note-se que se trata de um livro sem páginas numeradas) onde se encontra esta referência: "(...) car les Fauves, tout comme les Impressionistes, chercheront «autour de l'oeil et nom au centre mystérieux de la pensée » ..." . O que é sem dúvida muito interessante, por confirmar que outros movimentos artísticos - praticamente contemporâneos -, pouco (ou nada) se interessaram, ou preocuparam, em criar obras cuja essência estivesse nalguma relação entre as imagens e os (seus) respectivos significados: fossem eles «atribuídos» há mais ou menos tempo. Quer atribuídos por alguma tradição antiga (e de origem, desconhecida e perdida no tempo); ou por convenção recente...
Por fim, quem quiser ler sobre uma outra aproximação a um tema que de facto é quase o mesmo, veja aqui
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E mais do que no fim - dias depois - ainda se acrescenta a referência a um outro post com 2 anos. Já que, estivemos no IADE, anos suficientes, para perceber como por lá (nos anos 70-90?) «alguns simbolismos» eram ainda frequentemente mencionados...