Extraído do nosso estudo dedicado ao Palácio de Monserrate (escrito há 20 anos):
Escolhemos algumas passagens sobre a transição do Enciclopedismo Arquitectónico ao Ecletismo - visto actualmente como Estilos Ecléticos [1]
Porém, note-se que as duas imagens com que começamos, só as conhecemos muito depois dos nossos estudos. São vistas aéreas da Casa Anderson no Porto, actual Jardim Botânico, obtidas no Programa Visita Guiada (ver aqui) .
Foram feitas pela RTP em 22.04.2018, e têm para nós a grande vantagem de confirmarem o que escrevemos em 2004. Devendo acrescentar-se que, muito francamente, não poderíamos esperar encontrar, em Portugal, e desenhada num Jardim, uma enorme Mandorla!
Vantagens das migrações, e das comunicações entre Povos e Culturas


Assim, vindo de Monserrate uma Nova História (Livros Horizonte 2008)
INTRODUÇÃO
(...) Quando vemos a casa de Sir Francis [Cook], mais da Europa do que Indiana ou Chinesa, o seu Orientalismo é paradoxal (e porventura perturbante)!? Contém expressões do Alhambra e da Batalha, mas tem principalmente, imagens da Itália. E esta constatação que fazemos, pode ser segundo julgamos, uma colecção de novas interrogações... (ler na p. 16)
CAPÍTULO I
AS QUESTÕES EM TORNO DO GÓTICO NO SÉCULO XVIII EM INGLATERRA, ATÉ À OBRA DE STRAWBERRY HILL : OS PRIMÓRDIOS DO REVIVAL, JARDINS E PAISAGISMO
Ao fazer a história do Gothic Revival em Inglaterra, muitos autores radicam uma origem mais longínqua do gosto pela arquitectura deste estilo, no reinado de Elizabeth I - que foi também o tempo de Shakespeare: “…A época isabelina é marcada pelo florescimento da arquitectura (…) não é italiana nem francesa, encontramos a marca de um Renascimento específicamente inglês…” [2].
(...) O “renascimento” que proporcionou teve a originalidade da força literária de Shakespeare.
(...) Seguiram-se tempos de agitação, mesmo conturbados por grande violência, que só voltaram a uma estabilidade duradoura um século depois, na dinastia Georgiana
(...) Nesse intervalo aconteceu a República Puritana de Cromwell, em que grande parte da nobreza se viu na necessidade de saindo das cidades, regressar às suas propriedades rurais, onde procurou refúgio. Atribui-se a este contacto renovado com os ambientes mais genuinamente nacionais (e campestres), alguma importância para manter e aumentar o gosto pelo estilo.
(...) A prevalência do gótico como escreveu Kenneth Clark, fez-se sentir desde 1600 a 1800, porque em Inglaterra - apesar das novas formas artísticas e mudanças entretanto operadas em Itália e no restante continente Europeu, incluindo na vizinha França de onde poderiam receber algumas influências - nunca o estilo se perdeu. Pelas razões apontadas ou outras (de uma “antropologia nacional” justificável também pela insularidade), nas Ilhas Britânicas continuou-se a construir desta “maneira”. (ler p. 17)
(...) Posteriormente nos reinados de Carlos II, no de William III (de Orange, com Mary II), mais tarde no de George I, encontram-se movimentos e sinais que são de forma remota, ligados ao Gothic Revival. É deste modo que são vistas algumas peças de Arranjos Exteriores, como foi exemplo a introdução do Canal (de água) em Hampton Court; ideia que Carlos II levou de Versailles [e fez construir para a sua mulher – a portuguesa Catarina de Bragança]. Trabalhos que contribuindo para o gosto pelos jardins e paisagem, seriam a envolvente da arquitectura medieval, que se ia fazer reviver. Neste contexto, o Canal seria mais tarde substituído por uma linha de água irregular.
Em 1726 ainda no reinado de George I, tendo morrido Sir John Vanbrugh[3] - que foi o Surveyer of Gardens and Waters - a princesa Caroline, futura rainha, mulher de George II, convidou Bridgeman, talvez por sugestão de Robert Walpole, para ser o novo Royal Gardener.
Aqui é importante lembrar quem era Robert Walpole ...
(...) Bridgeman – que exerceu as funções de Jardineiro Real - era um anti-francês, e tornou-se o introdutor do que se chamou depois “le jardin anglais”. Com ele fez-se a transição dos layouts geométricos de 1700, para o “... free style de Capability Brown in the 1750s and 1760s...”[4]. Esse trabalho para que foi convidado, iria ter sequência; a transformação do uso e planos de Kensington Gardens foi bem sucedido, tornando-se pioneiro. Seria uma nova etapa na concepção de jardins.
Estes surgem inovadoramente com dois tipos de áreas ...
(...) Era assim criado um ambiente propício à inclusão de várias espécies arbóreas, europeias e de regiões distantes (...) Seriam depois também ambientes para novas “espécies arquitectónicas”, uma Enciclopédia de Arquitectura, como pretendeu concretizar William Chambers, em Kew Gardens.
William Chambers (1723-96) era um arquitecto eclético que viajara até à China; a partir de 1759 ficou encarregue de fazer os Jardins de Kew para a princesa Augusta, que assim dava continuidade ao trabalho da sua antecessora Caroline. A William Chambers foi dado também o cargo de Architectural Tutor To The Prince Of Wales (o futuro George III). (ler . 18)
À semelhança da “variedade enciclopédica” de todos conhecimentos reunidos, com esse espírito – o da colecção dos conhecimentos que iam surgindo da ciência e técnica, mas também a das espécies botânicas antigas e novas, que se classificavam – agora seria também a vez de juntar “arquitecturas”. Incluindo a diversidade arquitectónica vinda de mundos distantes. Foi esta ideia eclética que presidiu à Enciclopédia de Arquitectura, que Chambers como projectista-coordenador, tentou realizar em Kew.
Como se trata adiante, Horace Walpole (1717-97), que era filho de Robert Walpole, ficou para a História pelos contributos que deu ao Revivalismo do Gótico; mas não só. São vários os autores que citam opiniões suas - o que ao longo da vida foi sempre fazendo, sobre “bom e mau gosto" - por isso também como alguns escreveram, foi o maior opinion maker do século em que viveu[5]. (ler na p. 19)
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[1] Extractos das primeiras páginas do nosso estudo dedicado ao Palácio de Monserrate. Quando se tornou essencial explicar (para quem um dia o viesse a ler...) a passagem da descoberta/constatação da existência dos diferentes estilos - e o seu registo enciclopédico – à sua reunião, inovadora, num único edifício. Como por exemplo fizeram os Arquitectos James T. Knowles na «composição arquitectónica» que é o Palácio de Monserrate. É o hibridismo das «misturas» que foram feitas, que justifica que se diga "Estilos Ecléticos" (no plural).
[2] Ver em François LAROQUE, Shakespeare o teatro do mundo, Quimera Editores, Lisboa 2003, p. 99.
[3] Sir John Vanbrugh (1664-1726), também autor de importantes obras de arquitectura. Blenheim Palace do 1º Duque de Marlborough é obra sua. Alguns autores vêem na skyline de Blenheim Palace, sinal da admiração que tinha pela arquitectura medieval e a do tempo de Isabel I.
[4] Ver em Roy STRONG, Royal Gardens, BBC Books, Contan Octopus, London 1992, p. 39.
[5] Ver o primeiro capítulo de La Época De Los Tres Jorges a través de la correspondencia de Horace Walpole, Colección Historia, Imprenta Moderna, Barcelona 1943, cujo título é exactamente – Vida y opiniones.