Há cerca de um mês, em casa que não era a minha*, pude comparar versões diferentes de tradução da Bíblia:
Era o Novo Testamento, o Evangelho de João, sendo curiosíssimo que onde na tradução dos Capuchinhos consta a palavra Alegoria, para essa palavra Frederico Lourenço tenha explicado (e assim usado) que no original consta a palavra grega é paroimía que significa "Pensar-para-além-de".
Ou seja, uma Alegoria, tal como um Símbolo - visual ou outro - é uma substituição metafórica, ou uma correspondência (que pode ter sido pré-estabelecida, convencionada, e ser até conhecida de todos) , em que uma das realidades é mais do que aquilo - o tal "pensar-para além-de" - que se refere no discurso que tenha sido feito. Ou, do que aquilo que simplesmente aparenta ser, no caso de ser um texto ou uma imagem que se vê.
Até à Páscoa achei que ia desligar: portanto adeus blogs e facebook, porque há muito mais!
E há, só que também esse tempo gera reflexões, que então podem vir para aqui, porque afinal depois do incêndio de Paris, Notre-Dame aparece-nos como o verdadeiro "Pensar-para-além-de":
Ou seja, por um lado, quase directamente, está a ser usada como alegoria e metáfora. Mas é ainda, por outro lado, muitíssimo mais do que isso. É algo que, explicitamente, poderia não aparecer, mas que, ao lembrarmo-nos do sucedido - de maneira recorrente (como é típico de tudo o que entristece) -, e por se tratar de uma das mais importantes referências da Cultura Cristã e do Ocidente; ao pensar em Notre-Dame, pensa-se para além dela. Já que a esse propósito alguns vão reagindo, e a pouco e pouco, uns e outros vão-se lembrando (e portanto nós somos lembrados por eles) do muito mais que sempre esteve interligado. Thanks God!
Do Expresso de hoje alguns excertos da crónica de Henrique Raposo. E apesar de não estarmos de acordo com tudo o que escreveu, a tónica que põe ao alertar para o valor da arquitectura, dos monumentos e do cristianismo - como "uma abóbada (celeste - dizemos nós) por cima dos vinte e sete solos...", na verdade este é exactamente o mesmo assunto que nos move desde 2004**, quando estudámos Monserrate, e nos apercebemos de uma «historiografia de pernas para o ar»!
E porque desde então se tenta divulgar o que essa historiografia mainstream - na sua acção deturpadora da Cultura (geral ou particular a que temos todos direito) - continua, activamente, a preferir esconder. Pelo que se pergunta, não haveria uma outra maneira, mais positiva, de actuarem?
Ajudando a que saiba bastante mais e melhor, em vez de quererem esconder, debaixo do tapete?
Só que, pelos vistos, é o que há! Fazendo com que uma crónica num jornal semanal (nos) possa aparecer, e ao grande público também, com um texto inovador. Como se nas universidades (e noutros locais próprios para a divulgação do Conhecimento) isto não passasse***:
"(...)
As invasões que destruíram o império romano representaram mesmo a destruição apocalíptica da civilização. Quem é que levantou o Ocidente das cinzas? Ou seja, quem é que inventou a "Europa"? O clero gótico da igreja representada pela Notre-Dame. Esta realidade histórica transformou-se num tabu, porque os séculos XIX e XX foram dominados por duas correntes intelectuais que (ainda) fazem gala do seu anticatolicismo vulgar: o racionalismo ateu e francês à Voltaire, o protestantismo anglo-saxónico à Milton. Mas, lamento informar as almas mais sensíveis, as bases da civilização ocidental foram mesmo lançadas pela igreja medieval: as universidades, a tensão criadora entre direito natural e direito positivo, a divisão de poderes entre o espiritual e o político, a caridade enquanto princípio social e político. Dante representa o pináculo desta civilização que reconstruiu o nosso mundo, que seria novamente ameaçado pelos bárbaros modernos dos séculos XIX e XX.
Conscientes desta realidade, escritores "modernos" como T. S. Eliot, Chesterton ou Tolkien defenderam um regresso da Europa à cristandade. Mais do que nunca, urge ouvir esse apelo. A Europa de, hoje é de uma beleza arquitectónica notável. No entanto, à semelhança de tantos edifícios belos, a UE é oca no campo espiritual e narrativo. A sua beleza é só racional, falta o resto, falta o essencial: o sentimento de pertença histórico e metafísico. E esse sentimento só pode ser dado pelo cristianismo. Sem o chão comum de São Paulo, a Europa cairá no pesadelo pagão, secular e relativista (...)
Olhando para cima, para a transcendência, a cristandade é a única metafísica capaz de criar uma abóbada por cima dos vinte e sete solos.
(...) Em 2019, a lamentação já não chega. Ser europeu não pode ser só a negação de um mal absoluto praticado pelos nossos bisavós. A identidade europeia precisa de uma substância concreta, de uma meta, de um ethos. Como tem dito a nova e jovem direita francesa (emparedada: entre o pragmatismo libertário e secularista de Macron e o nacionalismo igualmente secularista de Le Pen), esse ethos é o cristianismo.
(...)
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*Temos livros a mais, mas a tradução de Frederico Lourenço, pelo espaço e pelo custo, ainda não consta... Vai ficar para o Dia Mundial do Livro.
**Depois de estudar Monserrate e de ter percebido como o cristianismo (todo) ficou plasmado na arquitectura antiga e tradicional do mundo dito ocidental. O que aconteceu por várias razões, quer as religiosas quer porque os políticos (reis, príncipes ou até os doges das repúblicas de Itália) quiseram mostrar onde residia a fonte do seu poder (de origem divina).
Um dos pontos em que discordo de Henrique Raposo é exactamente a primeira frase, pois são várias as obras, e os ideogramas nelas empregues (ou os ornamentos plasmados nessas mesmas edificações) que demonstram a vontade de adesão ao cristianismo dos designados bárbaros invasores: Que chegaram, por que quiseram, a um vasto território onde iriam permanecer, adoptando muitos dos valores aí existentes. Por isso existem - embora pouco divulgadas - algumas designações (supostas meramente artísticas/decorativas) como são as bandas lombardas, as arcadas normando-góticas, etc., etc. Ou seja, esses ornamentos foram sinais de povos que quiseram ficar nos territórios do antigo império romano, mas que, em simultâneo também quiseram marcar, distinguir de algum modo, a identidade das obras feitas.
***Sim passa, mas há quem esconda. Porque escondem? Seria a pergunta. Mas a resposta eles não a dão, obrigando-nos a interpretar o que os motiva. Será porque os mais poderosos, os chefes, os catedráticos... têm que ter lugares cimeiros, mesmo que não os mereçam?
A tal da cultura de mérito que por cá, ainda, não é moda...