Quando comecei a aperceber-me dos círculos entrelaçados que a minha orientadora (dos estudos de mestrado) disse estarem na fachada de Monserrate, repetindo assim o que se passava nas obras ditas "Romanesques" . Nessa altura alguns passaram a dizer, por palavras deles e face à proliferação de exemplos que passei a encontrar, que se tratava de "Treino de Visão"...
Mas outros foram mais longe e passaram a dizer (a dizer-me a mim, e simpaticamente) que era uma capacidade especial, um "Saber Ver" fora do comum. Como um elogio.
Ora convenhamos que nestas coisas somos todos muito iguais!
Pois se nos disserem (e já aconteceu) de modo furibundo: "Você vê coisas que ninguém vê", podemos sentirmo-nos como criminosos, ou até anormais. Mesmo no pior sentido desta palavra, e não apenas como alguém que está fora da norma, ou afastado da média geral (que é o não saber ver) ...*
Mas na verdade, e sobre esta questão, também nos lembramos de ter treinado. Não especificamente para um dia ir olhar para a Iconografia das Artes visuais antigas/históricas, mas por ser uma habilidade ou capacidade que a um arquitecto dava sempre jeito ter...
E isso foi acontecendo quer nas aulas de projecto, quer em ateliers. Mais: houve até um colega com quem muito treinei «esta arte» - e por isso tantas vezes, em sessões de trabalho (na Rua Pedro Nunes, nº 37), nós escrevemos e lemos ao contrário! Líamos imagens invertidas...
Só que, divertido mesmo, era estar em reuniões com clientes, nesse atelier ou noutro, sobretudo naquelas reuniões em que os vendedores nos queriam impingir produtos e equipamentos para integrar nas obras, surpreendendo-os nós com esta espécie de habilidade. E sim, claro era divertido.
Deixá-los estar a olhar para os desenhos e ir avançando com explicações sobre esses mesmos desenhos, que eram esquemas, desenhos e letras, que à medida que se ia conversando, se iam também registando nos próprios documentos de projecto, que estavam colocados à sua frente. Isto é, à frente dos nossos interlocutores**.
Então, estando explicada uma certa «sapiência-do-ver», ou se preferirem alguma razão para "o nosso treino de visão", e como o adquirimos, passamos agora ao reconhecimento visual e à identificação das formas. Formas integrantes das obras, e dos processos de leitura que as mesmas implicam, as quais sendo significantes devem importar a quem estuda Artes Visuais.
E devem importar ou interessar (dizemos nós), independente da época ou do estilo que seja atribuído a cada uma das obras em análise.
Exemplos:
A imagem seguinte é do Palácio da Vila de Sintra, o mesmo que já foi designado o Alhambra português
É um excerto da barra de remate de um revestimento azulejar, que se vê a direito como está acima. Mas que invertida, passa a ser nossa conhecida (ou seja estamos habituados a reconhecê-la e a identificá-la) porque aparece frequentemente em outros exemplos e situações.
Portanto rodou-se (180º), como os programas de desenho fazem tão bem, e agora sugere-se que a comparem com os exemplos seguintes que reunimos:
Acima na fachada do Palácio de Monserrate, como já em tempos se fez um post.
No caso seguinte, sobre um desenho do Palácio dos Doges (Veneza) no qual Monserrate se inspirou, e cuja fachada recria, os mesmos círculos «geradores da arcaria»
Por fim, a base de uma escultura de Filippo Brunelleschi
que há dias vimos pela primeira vez e constituiu um verdadeiro sobressalto.
Primeiro por ser um trabalho lindo, depois porque foi um ARTISTA extraordinário, talvez o maior de entre os maiores, quem o fez.
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*Média que também nos remete para a palavra latina Mediocritas.
**Para que percebam, nessas reuniões, o arquitecto e o seu interlocutor não estavam os dois do mesmo lado a olhar para um painel, onde os desenhos estivessem expostos. Estavam frente-a-frente, sentados numa mesa de reuniões, e portanto ao estar a desenhar e a escrever, o arquitecto fazia-o ao contrário do que é normal desenhar, e sobretudo escrever, porque é difícil.