... quando se sai de uma aula bastante divertido, com a certeza de que um papelucho com um desenho - i. e., uma planta; mais umas pázinhas (a fazer de degraus), e um pauzinho (a fazer de eixo*). Que todos estes elementos podem simular um conjunto de intenções (projectuais) e ajudar a mente a pensar, como faz uma maquette de estudo.
Sim, quando se está numa ocasião como esta é impossível não nos lembrarmos de "Machina Memorialis..." por Mary Carruthers: a investigadora para quem a Arquitectura foi/era isso (e provavelmente já não é...?), como uma máquina para recordar, determinadas noções do cristianismo, ou do conhecimento de Deus.
Ou ainda, pensando noutras ideias dessa autora, como a pintura e as iluminuras, colocadas ao lado dos textos; ou inclusive algumas formas arquitectónicas - ao nível do piso térreo ou da implantação dos edifícios, como a planta do mosteiro beneditino de St. Gall - teriam sido mnemotécnicas. Isto é, desenhos que conferiam uma certa "enargeia", que se acrescentava aos textos (ou aos espaços arquitectónicos) - para sugerirem ou aludirem a determinadas noções.
Em suma, esta autora atribui qualidades às imagens (que não eram códigos, nem símbolos...): para além do que já se escreveu, atribui-lhes o poder de funcionarem não apenas como contentores de significados, mas mais, como veículos - «transportadores» e auxiliares do pensamento.
Ou seja, naquilo que é designado a Arte da Memória, Mary Carruthers tal como fez Frances A. Yates, Carruthers considera que esses desenhos eram auxiliares dessa Arte ou Técnica (de lembrar**). O que já escrevemos noutros locais***: quem conhece a Geometria e percebe como funcionou a língua visual de que os Ornamentos fazem parte, também lê directamente essas imagens (não precisando de as memorizar). Tendo assim mais dificuldade - é o nosso caso - em aceitar que essa iconografia tenha sido como uma mnemónica, ou como códigos que se ensinavam e transmitiam... Porque quem lê, lê. E nessa leitura as imagens lidas são lógicas e portanto aceites.
Porém, associar Mary Carruthers a aulas em que se fazem maquettes de estudo, é apanhar apenas o mais geral do que escreveu em Machina Memorialis: imagens que seriam (em expressão nossa), o equivalente a data flow diagrams. Mas este registo é nosso, pois para Carruthers é também como se algumas imagens fossem equivalentes a sinais de trânsito que era necessário memorizar, para os identificarmos quando surgem ao caminho. Por isso lhes chamou“panneaux indicateurs”.
No nosso caso, e como é normal para quem sabe como as imagens eram construídas - ou geometricamente desenhadas (quais eram as regras?) - de imediato estamos em condições de as compreender. E quando de imediato se compreende algo que se vê, sem ser necessário recorrer a tabelas de significados (ou a dicionários), essa compreensão ou dedução imediata, é como a leitura.
Como alguém lê na cara de outro que esse outro está cansado; ou «lê» nos sinais de trânsito que se avizinha uma zona de obras e de trabalhos na via pública.
Apesar dos nossos exemplos prosaicos, houve quem lesse (e ainda leia) na arquitectura, por exemplo, que a imagem abaixo é a de uma casa nobre. Não apenas pela "Pedra de Armas", mas pela iconografia dos vãos.
Outros, talvez menos informados (?), ou influenciados pelas formas da natureza e antropomórficas, dizem que se trata de uma "fachada facializada"... Ideia que, diante desta fachada não nos ocorre. Pois sabemos da riqueza significante das formas que estão nos pinázios dos vãos; e esse conhecimento proporciona-nos, logo, uma outra leitura: a um primeiro nível - que não é a antropomórfica.
Conclui-se que há gostos para tudo, ou, sobretudo, que há leituras diferentes a partir das mesmas imagens...?
Por isso o gosto não é universal: os gostos discutem-se, ensina-se a gostar e a fazer obras - arquitectura, design - «mais gostáveis»!
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* Ou geratriz de uma parede, plana ou superfície empenada - como vier a ser escolhido...
**Nós preferimos dizer de pensar, em vez de lembrar.
***http://primaluce.blogs.sapo.pt/119278.html, http://primaluce.blogs.sapo.pt/107920.html, http://primaluce.blogs.sapo.pt/11947.html