Sobre a Encomenda Prodigiosa de D. João V, e um excerto de António Filipe Pimentel*:
Quando escrevemos Monserrate uma nova história, e já a pensar na hipótese de publicação pela Livros Horizonte - ideia que tivemos desde o início (também por esta razão) - um dos autores que seguimos razoavelmente, foi António Filipe Pimentel. Que então tinha recentemente publicado (em 2002) o seu Arquitectura e Poder: o Real Edifício de Mafra.
E tínhamo-lo seguido, exactamente pela sua abertura - e pelo espaço que dava nesse seu trabalho - aos temas da Religião: i. e., por já considerar, e citar, dando alguma importância aos factos religiosos, e referindo a adesão aos mesmos, por parte da realeza e da nobreza.
De tal modo que - no fim, e hoje verificamo-lo de maneira definitiva, e com toda a clareza - o religioso influenciou, indubitavelmente, o chamado Poder político.
Ao desenvolvermos o nosso trabalho fomos compreendendo (nas fases de investigação e desenvolvimento do estudo de Monserrate, e já depois - de 2005 em diante) que não tinha havido apenas alguma, ou uma mera e pequena importância pontual do religioso sobre o político; mas sim uma imensa, total e permanente importância do religioso.
Tão permanente, que as diferentes "nuances" teológicas iam ficando registadas (ou desenhadas uma a uma) nas obras.
O que aliás também explica a vontade que tinham, frequentemente, de «acertar» a Arquitectura com a Teologia.
É que afinal, muitas das invenções ocorridas na História da Arquitectura, trataram-se de actualizações dessa mesma Arquitectura (que devia ser «falante»), face às evoluções ocorridas na Teologia: razão para muitos referirem, seguindo Hegel, a existência de um "Zeitgeist".
Razão - dizemos nós agora - para ser necessário estudar as «alterações teológicas» que as Teses de Lutero introduziram. Razão, para fazermos novos esforços virados para a compreensão do que foram os Revivalismos: quer os do Gótico, quer ainda antes, as chamadas sobrevivências que se misturaram com as formas da arquitectura clássica, e estão no Barroco.
Que foi, como é sabido (e mais do que reconhecido), a expressão da Contra-Reforma Romana.
Menos sabido, e portanto, em nossa opinião, a precisar de muito mais investigação** (e de uma importante mudança de perspectiva), é a relação do Gothic Revival com as diversas fracturas que Lutero desencadeou.
O excerto que acima referimos é este:
“Um processo, porém, cuja compreensão obriga, metodicamente, a percorrer o trilho seguido pelas ambições, estratégicas e representativas, da própria Monarquia, como seria configurada sob o governo de D. João V (onde a tutela do religioso reforça o prestígio da Coroa e lhe garante a eficácia do poder) (Pimentel, 2002: 96-98), tanto quanto perseguir os seus desaires e os compromissos que necessariamente houve de manter com a realidade sobre a qual lhe coube agir - sempre no quadro de uma estrutura simbólica onde a Corte desempenhava o papel central. É, por isso, no marco ideológico do Antigo Regime e num contexto cultural onde a religião ocupa um papel central («A corte submerge no sagrado» - escrever-se-ia sobre os anos finais de Luís XIV, contemporâneos dos iniciais de D. João V (Mongrédien, 1948: 9, 18-19) -, «missas, vésperas e lausperenes sucedem-se na capela de Versalhes») e entre o entusiasmo juvenil do soberano e o pragmatismo que a visão de Estado lhe ensinou, que devem buscar-se as razões de fundo da instituição do Patriarcado e dos cenários que habitou: da Capela Real à Capela de São Roque. Num fresco amplo e complexo, onde perpassam projetos ideais (Vanvitelli, Juvarra) e experiências magistrais (Mafra) e cujo eco se repercutiria, ainda, na própria reflexão que rodeou a reconstrução da capital. Reconstituir esse amplo fresco - e a viagem fascinante que conduz Da Patriarcal à Capela Real de São João Batista - é a tarefa a que se propõe este núcleo de A Encomenda Prodigiosa."
*Encontrámo-lo no site da Ordem dos Arquitectos,
ver:
http://www.arquitectos.pt/?no=2020494337,153
**A qual faríamos, se houvesse tempo (e a equipa que deveríamos estar a coordenar!) a partir de duas colunas: na primeira seriam colocadas as decisões e inovações teológicas; na segunda as novas formas e excertos arquitectónicos que «essa nova teologia» originou.
Alguns pensarão que esta ideia é demasiado imaginativa, mas é factível para o Credo, logo nos primeiros séculos do Cristianismo!
http://iconoteologia.blogs.sapo.pt/57065.html