De facto, no último post acabámos abruptamente, por saber que estávamos a deixar muito material óptimo para pensar.
É que na verdade também sabíamos que haveria muitissimo mais; daí a necessidade de acabar, para depois recomeçar. E recomeça-se por aqui:
1. Em Londres as cerimónias de um casamento dito do século XXI, mas que decorreram num cenário com cerca de 800 a 900 anos.
E neste caso havia ainda a escolha da data - 29 de Abril, dia de Santa Catarina de Sena - mística e doutora da Igreja, que influiu grandemente na história do tempo em que viveu*.
2. Logo depois, nos dias seguintes, a agenda mediática passou a estar ocupada com outros assuntos a que também aludimos no nosso trabalho: a atitude de João Paulo II**. Ora, para cada um de nós, e independentemente das suas crenças, aquilo que nos é dado ver, é, exactamente, a importância da tradição e do passado, nos actos públicos (e na vida em geral) da nossa própria época.
Ainda sobre o casamento londrino, houve quem tudo resumisse à expressão que nos acorre várias vezes: "tradição e modernidade". Porém, se nos déssemos ao trabalho de analisar muitos outros factos, incluindo também a vida do cardeal polaco, que foi Papa, poderíamos notar que todo o presente é feito de passado. É com os ingredientes e com as referências que apreendemos no passado (até ontem), que hoje podemos pensar. E depois falamos, escrevemos, e desenhamos ou projectamos, com esses referentes!
Porquê esta insistência, e estas nossas reflexões sobre o assunto «Passado»?
Porque, com enorme frequência, é possível observar que alguns «modernos-contemporâneos-ferrenhos» julgam que só há modernidade se fizerem uso sistemático da novidade. Isto é, daquilo que é criado de novo. Talvez tenham razão..., mas não conhecemos muitos exemplos?
Em contrapartida, não faltam, e tornaram-se memoráveis, os casos em que as obras foram buscar elementos do passado. Sendo estes introduzidos em contextos contemporâneos. Esses exemplos tiveram depois reconhecimento, ou até êxitos, que não se podem desprezar.
Mais, aquilo que hoje percebemos terem sido os Estilos Artísticos e Arquitectónicos, são «escritas» que se socorreram de um número limitado de vocábulos (que eram imagens), para transmitirem mensagens específicas: características da Teologia Cristã (ou a catequese), de cada época...
A seguir citaríamos Regina Anacleto, e o que escreveu sobre a Arquitectura Neomedieval, nas suas diferentes fases. Não se apercebendo a autora que o espírito que esteve subjacente às obras do século XVIII, em geral é diferente do Revivalismo do século XIX; apesar de ambos irem buscar o passado!
Mas damos outro exemplo: quando Josefa de Óbidos incluiu nos seus trabalhos as Amêndoas, hoje consideradas características de Torre de Moncorvo (pois aí continuam a fazer-se à maneira antiga), talvez pretendesse aludir ao mesmo sentido que está na Mandorla, que envolve as imagens de Cristo Pantocrator, características das obras do Românico Proto-Gótico? Perguntamos, porque ao certo não sabemos...
Mas hoje, em geral, quem come amêndoas na Páscoa, desconhece que a Amêndoa também simbolizou Cristo, e depois a sua Ressurreição. E no entanto, quem é que por esta altura não viu amêndoas, ou não as teve, na mesa de festa?
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*Sobre Santa Catarina de Sena, ler a história da sua vida em VELBC (Enciclopédia Verbo), v. 4, c. 1503.
**No nosso trabalho dedicado a Monserrate, recordamo-nos de ter feito referência a dogmas e outras definições teológicas. Demos o exemplo das atitudes de J. P. II, mais favorável à inclusão; ao contrário do que se passou no passado (na época medieval), quando, tantas vezes, a pretexto da não aceitação das ideias que a Igreja considerava ortodoxas (ou correctas), quase de imediato era decretada a exclusão (ou excomunhão), de quem se colocasse na situação de heterodoxia. Ver Monserrate, uma nova história, op. cit., p. 157.