Ontem (19.07.2025), um escrito sobre auto-construção, e ideias possíveis para a resolução dos graves problemas de habitação que se estão a viver, levou-nos a comentar um post do Facebook
Deixámos dois primeiros comentários, e no fim um outro mais completo:
" Responsabilidade criativa é uma expressão óptima. Talvez fosse isso? Era uma miúda que ainda nem tinha chegado aos 25 anos... e depois dos apoios aos clandestinos fui parar ao IADE! E só acabei o curso (arquitectura na ESBAL) no fim de 1976. Adorei esse tempo, que foi de verdadeira missão: entre assistente social e projectista; a tentar descobrir em trabalhos dos colegas mais velhos - N. Portas, Francisco Silva Dias - alguns dados (mais firmes) a que me pudesse agarrar. Como as dimensões dos lotes dos terrenos clandestinos, para poder projectar habitações que viessem a ser evolutivas, e para serem feitas em auto-construção. Quando escrevo que os tempos eram outros (claro que eram revolucionários...), e não havia a rigidez que há hoje, em tudo. Demasiada, que se torna bloqueadora do que se podia fazer bem feito... E continuaria a contar estórias. Thanks God God que a minha vida (embora seja quase só para mim!) está cheia de «pioneirismos». "
Mas para que fiquem outras informações, que não apenas as nossas, é importante cruzar com outras notícias.
Para começar as fontes bibliográficas - já que foi sempre um vício que ainda hoje mantemos - o de procurar quem eventualmente tivesse estudado a prolemática em causa. E não indo à cave verificar se ainda lá existe, este terá sido um dos docuemtos que mais nos ajudos:
Tipologias de edifícios : habitação evolutiva : princípios e critérios de projectos › da BIBLIOTECA do LNEC, catálogo on line {https://share.google/7dfZqNJ2ioEVrwL5z}
Depois, cruzando mais informações, por exemplo o que se escreveu sobre a CM de Oeiras, onde em geral trabalhámos, directamente, com o Arqtº Jorge Teixeira Viana. Alguém que na sequência do (dia) 25 de Abril - e das transformações que muito cedo começaram a acontecer (na verdade quase de imediato pois vinham de trás); Jorge Viana estava, verdadeira e humanamente preocupado, com a proliferação de bairros clandestinos surgidos no Concelho de Oeiras. Concretamente, nas zonas mais próximas de Lisboa.
E preocupado não só com os loteamentos clandestinos - que resultavam do retalhar e venda especulativa de antigas quintas, aos pequenos proprietários, imigrados do interior para a cidade grande (*); mas também, muito objectivamente, preocupado com gestão do território.
É que além de pretender uma outra, «muito melhor» ocupação do solo», Jorge Viana também estava empenhado em que os novos moradores desses bairros - de génese ilegal (por isso hoje designados AUGI **) - também tivessem casas, arruamentos, infra-estruturas de águas e esgotos, electricidade. E depois ainda os transportes, sobretudo para o centro de lisboa, as zonas verdes locais, assim como equipamentos sociais. Tudo aquilo que, dizendo em poucas palavras: dá vida aos bairros e os torna salubres e saudáveis (em todos os sentidos) para os que neles habitam.
E que não viesse a acontecer - como já existia quase ao lado - uma nova Brandoa! O que parecia poder vir a ser o caso, no local que então se designava Casal, ou Serra da Mira (***)
Do Jornal dos Arquitectos e da biografia de Jorge Viana, por Ana Vaz Milheiro {ver JA :: 235 - SER RICO :: JORGE VIANA} transcreve-se:
"Será ainda arquitecto da Câmara Municipal de Oeiras por dois períodos distintos, entre 1957 e 1960 e, depois, entre 1974 e 1977. Nesta fase revolucionária, desempenha um papel fundamental na Comissão Administrativa, como independente, criando os gabinetes de Planeamento e Recuperação de Clandestinos. Utiliza depois esta experiência no município da Moita, como chefe dos Serviços Municipais de Habitação e Chefe do Gabinete de Recuperação de Clandestinos (1977-1983), dedicando-se ao planeamento urbanístico. É a pensar nas autarquias dispersas a Sul do Tejo que, cerca de 1980, decide criar um serviço ambulatório, apetrechando uma carrinha Fiat com os meios mínimos para a execução de pequenos projectos."
E do Catálogo da exposição realizada em Oeiras, em 2012, dedicada à obra pouco conhecida de Jorge Viana (1924-2010); exposição intitulada Arquiteturas, Natureza, Máquina, Sentimento, trazemos o projecto da carrinha Fiat (referida acima). Cujo principal objectivo - humanista e prático - era levar a Arquitectura directamente às populações.

(ampliar desenho)
Mas este espírito técnico e inventivo de Jorge Viana, que a exposição de Oeiras, em 2012 tão bem ilustrou, pudemos continuar a acompanhá-lo, quando no final dos 70 - e talvez ainda no início dos anos 80 do séc. XX? -, no IADE tivemos a oportunidade de trabalhar com ele na disciplina de projectos.
Foi um prazer, lições constantes, e um enorme orgulho, que por isso mesmo também já tínhamos testemunhado.
Fica aqui mais uma vez
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(*) Vendas feitas, em geral, a pessoas vindas da província, que emigravam para Lisboa e que ignoravam tudo sobre a legalização desses lotes. Assim como sobre as possibilidades legais-administrativas para aí edificarem as suas casas. Sobretudo num tempo em que a arquitectura ainda não tinha, diría - um estatuto mínimo (divulgado e conhecido) - a ponto de as pessoas saberem que não se podia construir de qualquer maneira; ou como acontecia nos locais do interior de onde vinham, e de onde estavam a chegar, no meio dos anos 70, à procura de trabalho e de oportunidades de vida.
(**) AUGI, significa Áreas Urbanas de Génese Ilegal.
(***) Assunto que nos aparece ainda relativamente fresco na memória, mas do qual não guardámos provas materiais. Aparentemente, só em alguns PDFs se poderá encontrar informação do que aconteceu há cerca de 50 anos.
A Wiki conta um pouco dos processos SAAL, mas os exemplos em que estivemos envolvidos foram casos menores, e menos visíveis. Somos quase só nós que sabemos, e podemos contar a história.